terça-feira, 23 de março de 2010

moral de classe

Uns poucos de jovens protegem outro, sentado numa esplanada de um café popular, de continuar a ser agredido por um homem: “Isso não se faz assim! Não é preciso isso!” – vão gritando enquanto se intrometem entre o agressor e o agredido. Este último, estonteado, procura reagir, sem saber como. Não se levanta da cadeira. Vai dizendo coisas sem nexo, como que à procura de uma resposta. O homem, tranquilo, exclama que se o que fez não bastou, voltará à carga. Por fim o rapaz levanta-se decidido e diz “São 10 Euros!” e dispõe-se a acompanhar o seu agressor, lá onde ficou por pagar essa quantia. “É da polícia” – explicava alguém a ninguém, como faz a voz off num filme. Não podia prescindir da sua profissão nem do seu bairro, mesmo fora das horas de serviço.
Todo o café se levanta para acompanhar com os olhos outra zaragata. Do outro lado da rua um jovem deixa-se travar na sua corrida por duas mulheres e chora enquanto pede para o libertarem (o que manifestamente não deseja). Comenta a assistência que se juntou à saída do café – “Isto hoje está animado! Então aquele anda de pistola à mostra?”
Na minha juventude também eu – com outros da minha idade – evitávamos pagar despesas de restauração (ou transportes) sempre que a oportunidade podia ser forjada. No meio de um grupo podia ser possível – de facto era-o sistematicamente – escapar ao empregado e fazer com que ele não controlasse a falta de pagamento de uma refeição. Noutros casos, em restaurantes menos frequentados por nós, toda a mesa se levantava – cada um à vez – para “ir à casa de banho”. Pior do que isso, a livraria Barata, que arriscava ter e vender livros proibidos pelo regime fascista, era alvo de furtos por parte dos estudantes progressistas à procura de literatura. Muitos de nós estamos hoje bem colocados na vida. Talvez porque nunca tivemos à perna polícias ao serviço – fora de serviço.
Alguns de nós trabalham mesmo ao serviço da banca e compreendem, melhor que ninguém, como a moral não policiada é outra coisa …

1 comentário:

  1. Conversas ao jantar... sempre muito enriquecedoras. Há quem ensine que o cego não consegue ver porque tem algo medicamente explicavel, porque tem cataratas ou nasceu assim; há quem ensine que muitos são os de olhos sãos que são cegos.

    Maria Joao

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