terça-feira, 24 de novembro de 2009

desigualdades físicas e classificatórias, a mesma luta

A natureza humana é social. Mais do que qualquer outra espécie conhecida, as pessoas precisam de muito tempo para se tornarem auto-suficientes. Mas, de facto, jamais o ficam. Segundo Durkheim, dependíamos tanto uns dos outros, nos tempos da solidariedade mecânica, que tínhamos medo de tudo o que fossem comportamentos diferentes das imitações dos comportamentos já conhecidos. Ainda segundo o mesmo autor, uma vez instalada a solidariedade orgânica, à medida que as sociedades urbanas foram admitindo e até estimulando comportamentos diferenciados, na perspectiva da divisão social do trabalho, por um lado emerge o individualismo - a tensão social que liberta e empurra as pessoas para fora das tradições - e por outro lado uma maior densidade e complexidade das formas de sociabilidade. Na prática, estamos agora mais dependentes da sociedade, não apenas para sermos livres mas também para sobrevivermos.
As ordens sociais, que se distinguiam entre si pelo aspecto físico e pelo lugar central das sociabilidades públicas, eram a forma da solidariedade mecânica legitimar os privilégios daqueles que ficavam dispensados de trabalhar e, ao mesmo tempo, senhores das riquezas que se dedicavam a rapinar. As classes sociais, distintas entre si pelos modos de classificação funcional dos lugares que ocupam, legitimam actualmente as diferenças de rendimentos e de acesso à informação entre os diferentes grupos sociais. Até que novas formas de solidariedade social venham a ser instaladas.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

segredos e intenções sociais

Durkheim falava da hipótese de ser a moral social, e não a economia ou a tecnologia, o motivo principal e a causa primeira das transformações sociais modernas. Dizia ter sido a difusão da ideia mestra de ser melhor cada um encarregar-se apenas daquilo que sabia (ou aprenderia a) fazer melhor - e, portanto, contar com os outros para lhe fornecerem o que ele próprio não produzia, independentemente das tradições de família e dos privilégios associados - o que levou ao individualismo e à organização da divisão de trabalho nas cidades.
Bem pode dizer-se, hoje, ter sido esta intuição genial de Durkheim uma das mais fortes fontes de legitimidade científica da sociologia e, ao mesmo tempo, um dos segredos mais encobertos da sociologia, há muito desinteressada da moral e das intenções sociais, como aqueles cidadãos envergonhados da sua ascendência.
Actualizar esta hipótese para explicar a globalização daria qualquer coisa como esta: a consolidação prática do individualismo nos corpos e nas práticas contemporâneas trouxe, efectivamente, aumentos de produtividade extraordinários, a ponto de haver muita gente a viver fora da perspectiva do risco permanente - da fome, da doença, da violência. Há muita gente civilizada, no dizer feliz de Norbert Elias. O optimismo do pós-guerra, porém, trouxe ao poder uma geração de filhos únicos convencidos de serem próximos de Deus, a quem, extrapolando fora do contexto a ideologia meritocrática aprendida nas escolas, nos levaram a concordar em oferecer (aos "licenciados" mais bem colocados) a possibilidade de, caso o merecessem, atribuir rendimentos "do trabalho complexo" de acordo com a riqueza produzida.
Os capitalistas, como classe dominante, foram substituídos pelos seus administradores e estes fizeram-se capitalistas sem capital, partilhando os lucros sob a forma de prémios. Como os lucros fossem poucos, as engenharias financeiras possibilitaram recolher hoje os lucros esperados no futuro e assim roubar as próximas gerações - é um mérito como outro qualquer, eventualmente pouco moral, mas ninguém se queixou porque os que disso pudessem ter alguma ideia puderam beneficiar e ... "todos temos um preço" passou a ser a moral profissional dos yuppies. A "confiança" na meritocracia e no futuro passou a ser o grande capital social da nova era, como ficou evidente após o crash de 2008. A actual grande questão moral é a de saber se os administradores, que não estão presos como ladrões, podem e devem continuar a receber a sua parte dos lucros inexistentes, mas esperados e estimados - por eles próprios -  poderem ser recolhidos no futuro.
A desigualdade social deve continuar a ser "estímulo" para o aumento da "produtividade" adulterada em "competitividade"?
Do desfecho desta luta moral dependerá o nosso futuro colectivo. A esperança é que tal luta possa estar ainda em aberto, porque mal encaminhada ela está, sim.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Justiça para ricos e para pobres

Faz algum tempo, diria 8 anos, que a sociedade portuguesa assumiu estar a dar cobertura a um sistema de justiça que distingue os "ricos" dos "pobres". De facto, reconhecemos a pouco e pouco aquilo que Jakobs designou por "Direito do Inimigo". Ao contrário da receita doutrinal de John Rawls - que reclamava à judicatura, para fins de Direito efectivo, discriminar positivamente os "pobres" nos tribunais - os sistemas judiciais ocidentais sofreram uma tendência adaptativa relativamente às novas ideologias dominantes e à invasão de legislação avulsa. O resultado prático, verificável, foi o aumento da diferenciação de regimes de justiça conforme a condição social dos arguidos e testemunhas, agravada pelos custos aumentados no acesso à justiça, com o fito de impedir as reclamações crescentes das populações injustiçadas.
A impunidade de uns e a excessiva punição de outros (refiro-me aos resultados penais absurdos e irracionais das políticas proibicionistas) vai de par com o aumento da corrupção, o aumento da sua visibilidade e também da vontade (de senso-comum) dos magistrados em "cumprirem a sua função".
O problema é que, entretanto, a adaptação do sistema judicial ao sistema (neo-conservador e neo-liberal) dominante (corrompido, em grande parte, por falta de regulação) retirou aos magistrados e às instituições de justiça não apenas a credibilidade como também as competências para actuarem conforme o Direito. O arbitrário e o poder pelo poder é o dia-a-dia dos tribunais. Mesmo quando, agora, o sector se enche de brios e quer atacar a corrupção ao mais alto nível.
O pilar judicial do Estado de Direito está refém dos interesses fácticos que o sufocam, por fora e por dentro, sempre ao mais alto nível. É o que temos assistido.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

níveis de realidade

Michel Foucault e Chomsky tiveram, faz muitos anos, um encontro intelectual que ficou gravado: http://www.youtube.com/watch?v=WveI_vgmPz8. O segundo reclamava ser a natureza humana criativa e libertária e, por isso, se daria melhor com uma organização anarco-sindicalista, ao que o primeiro respondeu que de boas intenções está o inferno cheio. Para o francês não é possível imaginar o que vem depois, na história, pelo simples facto de estarmos a pensar, hoje, em condições sociais anteriores à ocorrência de se abrirem novas possibilidades de funcionamento social.
Contemporaneamente, as mesmas questões se colocam para nos entendermos. O nosso primeiro-ministro foi acusado por magistrados do crime contra o Estado democrático, através de escutas ocasionais gravadas a propósito de um caso de corrupção. O acusado argumenta ser necessário distinguir entre a sua vida privada (a tal conversa gravada) e a sua função pública (declarações no Parlamento, por exemplo).
Um semanário, utilizando a informação gravada, acusa o PM de ter mentido ao Parlamento e ao País. O PM responde que oficialmente não tinha que ter conhecimento daquilo que em privado eventualmente discutia com os amigos.
Logo se verá onde o estado-a-que-as-coisas-chegaram nos vão conduzir, em Portugal. Para o que me interessa aqui, a questão é mostrar como os diferentes níveis de realidade, tanto numa discussão intelectual como em debates públicos, fazem uma diferença entre a verdade e a mentira, entre a eficácia e ilusão.
A nível quotidiano - para retomar o exemplo da corrupção mencionado noutro post - a dádiva é uma coisa boa. A nível institucional a corrupção é má, mas às vezes dá jeito para "mexer os cordelinhos" de certos procedimentos que impedem a vida de circular. A nível de Estado a extorsão é um crime contra os valores da democracia, embora possa ser frequente em países com Portugal (não sendo dos piores).
Distinguir os diferentes níveis de forma rigorosa permitirá uma mais adequada modernização da intervenção cívica e, também, evitará a boa consciência entre os criminosos que se desculpem confundindo privado, administração e Estado.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

corrupção ou extorsão?

No tempo do Guterres era outra coisa. Não havia escândalos de corrupção todos os dias, ora no CDS/PP, ora no PSD, ora no PS. E tínhamos o Cravinho na Obras Públicas, então sem a mesma compreensão que diz ter hoje do problema da corrupção. Veja-se http://www.ionline.pt/conteudo/17866-escandalos-da-democraciao-general-que-acusou-os-politicos-e-foi-condenado.
Ferraz da Costa, então presidente dos patrões de indústria, dos que vieram do condicionamento industrial para a asfixia democrática, aproveitou para afirmar, historicamente, que os empreiteiros estavam fartos de ter de pagar luvas para poderem trabalhar.
O General Garcia dos Santos, então Presidente da JAE, foi tratado como louco pelo actual campeão oficial da luta contra a corrupção, a Junta foi por ele desmantelada, impossibilitando qualquer investigação (do mesmo modos que a nacionalização do BNP - segundo disse o seu último presidente privado - teve o mesmo efeito). Mais tarde, reorganizada depois do desmantelamento, com o nome de Estradas de Portugal, lá consta da lista de nomes das empresas "corrompidas". Ou melhor, como me explicava um amigo meu, não são as empresas mas os funcionários que são corruptos. As empresas, essas, limitam-se a receber cronicamente gente alegadamente corrupta. Parece que mesmo no topo da administração.
Hoje em dia já ninguém se admira que o primeiro-ministro apareça próximo de todos os casos de corrupção que vêm a público. É a imparável e multifacetada "campanha negra". Mas quando se trata de distinguir o trigo do joio, aí está o Ministério Público a preferir a corrupção à extorsão como móbil do crime.
Claro que a corrupção não explica como um sério banqueiro aceita um suborno de 10 mil miseráveis euros. provavelmente menos do que um mês do seu salário. E a extorsão, essa sim, explicaria bastante bem: é um modo de vida, um vício, como o abuso de crianças: fica-lhes na pele e é compulsivo. E, segundo dizem os informadores dos jornalistas, produz esgares de prazer em quem recebe o dinheiro.
Mas é mais fácil fazer bode expiatório de quem enriqueceu angariando fundos para o polvo, para poder ter trabalho - evidentemente a forma de exploração que os políticos no poder, através dos partidos, encontraram para "dirigir"o país - do que tocar nos interesses instalados. Como o poderia fazer a PGR de outro modo, quando é estatutariamente representante do estado-a-que-as-coisas-chegaram junto do sistema de justiça?
Cabe a palavra aos juizes de instrução independentes e irresponsáveis. Ou será que desta vez vão ser responsáveis?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

20 anos da queda do Muro (II)

Viram as celas das prisões da RDA? Celas são celas. Mas há 20 anos atrás, e vistas apenas de relance, não tem comparação com a degradação que por cá há.
Ouviram as queixas dos ex-presos sobre como usavam a família para os pressionarem? Precisamente o mesmo que por cá se queixam também pessoas presas: que abusam sexualmente das mulheres detidas, que lêem a correspondência e usam a informação de forma provocatória e chantagista, que procuram seduzir as namoradas ou mães ou irmãs, até de uma guarda que utilizava (não sei se ainda utiliza) o "posto" de apalpadeira oficial das visitas de uma prisão para abusar das mulheres que por lá passavam (de homens não se recebeu queixas).
Sei que o regime da RDA se fosse simpático e não quizesse forçar o nascimento do Homem Novo não seria abandona por tantos alemães. Sei que a polícia política e a vigilância dos dissidentes são repugnantes e não devem ser permitidas. Mas também sei que não estamos livres nem dos interesses privados dos políticos nem dos polícias nem dos sistemas repressivos.
Porque é que a queda do Muro não se comemora com luta pela liberdade?

20 anos da queda do Muro (I)

Os comunistas queixam-se de serem visados pela informação comemorativa do evento. Na Assembleia da República informam os jornalistas de uma iniciativa que antecipa o que o CDS/PP teria podido propor: alargamento das possibilidades de prisão preventiva e aumento do tempo de segredo de justiça. O pretexto é o combate à corrupção (como se ele estivesse a ser feito através do número de presos à disposição dos juízes).
Oito anos atrás, num dos primeiros Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, tive oportunidade de perguntar a uma mesa sobre "criminalização dos movimentos sociais", onde se denunciaram as perseguições e as brutalidades da polícia contra os activistas e a corrupção e politicação das acções policiais (na mesa estavam polícias federais brasileiros, autores de algumas dessas denúncias), se no outro mundo possível as prisões poderiam deixar de existir. As duas respostas que obtive foram definitivamente não. "Que fariamos a quem agora nos persegue?"
Definitivamente, o outro mundo possível de que preciso terá que não ter muros: nem em Berlim, nem na Palestina, nem na fronteira do México com os EUA, nem nas prisões. Há prisões sem guardas nem muros: http://www.apacitauna.com.br/. Sabia?

domingo, 8 de novembro de 2009

aumentam os suicidios na falta de moralidade

Uma jornalista pediu opinião sobre o parecer do sindicato dos guardas prisionais de a causa do aumento de suicídios nas prisões portuguesas ser o consumo de droga. Tinha acabado de propor a hipótese clássica da sociologia, Durkheim, de o aumento do suicídio ser causado pelo aumento da anomia (perda de relação com as regras sociais, as leis, os regulamentos, a moral social), decorrentes ambos da política prisional seguida nos últimos 8 anos de aumento dos regimes mais fechados (regimes ditos de segurança, de onde mais chegam queixas de maus tratos) culminada na abertura, ano e meio atrás, da prisão de "alta segurança" de Monsanto, a que alguém alcunhou de Guatanamo português.
A proibição da droga não só é a causa directa do grande número de presos como é, também, a grande desculpa passe-par-tout usada pelos responsáveis prisionais - e pelos políticos - para explicar todas as malfeitorias, incluindo as próprias. Porque não haviam os guardas de imitar os seus chefes? Tal como eles, aos guardas cabe, segundo eles próprios, o papel de observar os tráficos, consumos e conflitos inerentes às eventuais falta de pagamentos, não tanto para acabar com aquilo - porque de facto é impossível - mas para oferecer explicações encobridoras seja do envolvimento de funcionários e autoridades prisionais no tráfico ilícito - se fosse de outra maneira, no país das corrupções, é que seria de admirar - seja das perversidades quotidianas próprias das prisões e próprias dos regimes fechados.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Aumento de suicidios nas prisões portuguesas

A droga é um mercado florescente, principalmente nas prisões. A proibição de consumo e comercialização de certos produtos utilizados para modificar o estado mental das pessoas, com o objectivo moralista de censurar criminalmente certos comportamentos e, com eles, as tendências de contra-cultura vitoriosamente emergentes nos anos 60, é um filão para as polícias, as prisões, os terapeutas especializados, os traficantes. Mas é uma desgraça para os dependentes, tornados criminosos e obrigados à clandestinidade, e as suas famílias e amigos, principais vítimas desta política, entre o abandono dos seus doentes e o abandono das suas próprias vidas para tratar da doença, acossados por um mercado de curandeiros em que ninguém se entende e onde todos querem mandar.
A "cura" social engendrada por conspiradores de primeira água, leia-se Michael Woodwiss a esse respeito, tornou-se uma receita universal para dar trabalho às polícias e oportunidade aos políticos proibicionistas para manterem as suas mãos porcas na vida de todos e cada um. O proibicionismo contra a droga é a matriz fundadora das políticas de troca da liberdade individual pela segurança colectiva. Cuja racionalidade é a de meter na prisão quem trafica ou consome drogas ... e, uma vez lá dentro, serem intimados a continuar a consumir e traficar, mas a preços mais caros para uma qualidade pior dos esputefacientes e um risco agravado de sequelas para os consumidores, incluindo a subordinação aos poderes fácticos, degradação da saúde, risco de vida.
São óbvias, e nem sequer são escondidas, as responsabilidades dos funcionários do Estado na manutenção do mercado das drogas nas prisões. Como são óbvias as responsabilidades políticas num estado de coisas putrefacto - biológica e moralmente - em que a maioria se recusa a tocar. Pudicia de merda.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

ventiladores e conspirações

Pela primeira vez na história da humanidade está-se a seguir ao vivo ao evoluir de uma pandemia. Para os profissionais de saúde pública é uma oportunidade de fazerem valer as suas competências e os seus poderes. Para a população em geral é um grande susto. Apesar do conhecimento humano, os rumores, a confusão, o medo, o pânico imperam, seja no alarmismo oficial (contagens de infectados em tempo real como estratégia de transparência, falhada evidentemente) seja a nível popular, assim se sabe poder haver numa escola um foco infeccioso.
A humanidade contará nesta ocasião, para o melhor e para o pior, com as instituições e as relações sociais actuais. Tais estruturas não podem transformar-se demasiado para se adaptarem às novas circunstâncias, em periodos de tempo muito curtos e tão conservadores como aquele que vivemos.
Da mesma maneira que a crise financeira está a ser tratada em segredo, naturalmente também a crise pandémica é tratada da forma como os sistemas de saúde tratam comumente os doentes: como se a humanidade fosse um aglomerado de potenciais doentes numa sala de espera para serem atendidos pelos profissionais, a seu tempo.
Na verdade, o grande problema parece ser a falta de ventiladores. Embora o virus próprio da pandemia seja benigno, o facto de se alastrar muito rapidamente terá a consequência de trazer aos hospitais demasiados casos de doentes que sabem haver tratamento para as suas doenças, mas para os quais não existirão equipamentos suficientes para todos. Os dilemas éticos criados por esta situação (quais médicos terão o poder de decidir quem terá acesso aos ventiladores e quem não terá?) têm, obviamente, um potencial perturbador das instituições e da sociedade em geral. Numa sociedade de risco, será que vamos constatar não estarmos preparados - apesar dos conhecimentos e das tecnologias - para lidar com uma pandemia?
A questão não é apenas académica (seria bom que fosse levada a sério pelas academias, sim). É também levantada pelos protagonistas das teorias da conspiração: a) que parte da preparação da defesa contra a pandemia não é estratégia comercial das empresas de vacinas? b) pode o processo de liderança por parte das instituições de saúde ser utilizado pelos poderes globais firmados nas instâncias internacionais - e provavelmente também na Organização Mundial de Saúde - para radicalizar as políticas em moda de troca de liberdade por segurança? c) a informação a prestar às populações sobre a pandemia deve ser de tipo comercial, induzido comportamentos prescritos, ou deveria ser de tipo político, mobilizando a solidariedade e responsabilidade públicas e de cada um em função do bem estar geral?
Desqualificar os mensageiros destas perguntas por serem monges, doentes mentais ou outra coisa qualquer não desvaloriza as perguntas (ao contrário). Nem lhes dá resposta.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Dádiva é corrupção?

É certo haver uma relação directa entre a dádiva, como compensação por troca de favores, e, portanto, base de sistemas de corrupção da economia e da confirnaça social. Mas esta associação, sem mais comentários, "esquece" o papel do Estado na corrupção. Por definição - e não por acaso - corrupção depende de um agente do Estado estar envolvido num sistema de trocas de favores, por se poder suspeitar estar a utilizar a instituição como moeda de troca.
Usar os bens públicos para fins privados, eis o que é corrupção. Usar o Estado como fonte de privilégios, por ser funcionário público ou por ter protecção do Estado, eis o que é corrupção.
Sendo assim, a troca de favores entre particulares, desde que não faça intervir a extorção de bens públicos e a complacência do Estado, nada tem a ver com a corrupção. Terá a ver com simpatias pessoais, alianças sociais ou económicas, como formas de solidariedade saudáveis e desejáveis, mas não com corrupção.
Pelo contrário, a política, no sentido das decisões de favorecimento de certos sectores económicos em detrimento de outros, está bem mais próxima da corrupção do que a dádiva. Quando a política é casuística, sem ideologia, centrada nas "grandes empresas" dominadas por cliques sociais extremamente fulanizadas - BCP, BNP, BPP - ou por obscuras burocracias inquisitoriais - tipo sistemas de justiça, fiscal, de regulação de obras públicas ou municipais, bolsas financeiras, mercados energéticos - aí sim, por razões institucionais, a corrupção medra à vontade.