segunda-feira, 16 de novembro de 2009

níveis de realidade

Michel Foucault e Chomsky tiveram, faz muitos anos, um encontro intelectual que ficou gravado: http://www.youtube.com/watch?v=WveI_vgmPz8. O segundo reclamava ser a natureza humana criativa e libertária e, por isso, se daria melhor com uma organização anarco-sindicalista, ao que o primeiro respondeu que de boas intenções está o inferno cheio. Para o francês não é possível imaginar o que vem depois, na história, pelo simples facto de estarmos a pensar, hoje, em condições sociais anteriores à ocorrência de se abrirem novas possibilidades de funcionamento social.
Contemporaneamente, as mesmas questões se colocam para nos entendermos. O nosso primeiro-ministro foi acusado por magistrados do crime contra o Estado democrático, através de escutas ocasionais gravadas a propósito de um caso de corrupção. O acusado argumenta ser necessário distinguir entre a sua vida privada (a tal conversa gravada) e a sua função pública (declarações no Parlamento, por exemplo).
Um semanário, utilizando a informação gravada, acusa o PM de ter mentido ao Parlamento e ao País. O PM responde que oficialmente não tinha que ter conhecimento daquilo que em privado eventualmente discutia com os amigos.
Logo se verá onde o estado-a-que-as-coisas-chegaram nos vão conduzir, em Portugal. Para o que me interessa aqui, a questão é mostrar como os diferentes níveis de realidade, tanto numa discussão intelectual como em debates públicos, fazem uma diferença entre a verdade e a mentira, entre a eficácia e ilusão.
A nível quotidiano - para retomar o exemplo da corrupção mencionado noutro post - a dádiva é uma coisa boa. A nível institucional a corrupção é má, mas às vezes dá jeito para "mexer os cordelinhos" de certos procedimentos que impedem a vida de circular. A nível de Estado a extorsão é um crime contra os valores da democracia, embora possa ser frequente em países com Portugal (não sendo dos piores).
Distinguir os diferentes níveis de forma rigorosa permitirá uma mais adequada modernização da intervenção cívica e, também, evitará a boa consciência entre os criminosos que se desculpem confundindo privado, administração e Estado.

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