segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Dádiva é corrupção?

É certo haver uma relação directa entre a dádiva, como compensação por troca de favores, e, portanto, base de sistemas de corrupção da economia e da confirnaça social. Mas esta associação, sem mais comentários, "esquece" o papel do Estado na corrupção. Por definição - e não por acaso - corrupção depende de um agente do Estado estar envolvido num sistema de trocas de favores, por se poder suspeitar estar a utilizar a instituição como moeda de troca.
Usar os bens públicos para fins privados, eis o que é corrupção. Usar o Estado como fonte de privilégios, por ser funcionário público ou por ter protecção do Estado, eis o que é corrupção.
Sendo assim, a troca de favores entre particulares, desde que não faça intervir a extorção de bens públicos e a complacência do Estado, nada tem a ver com a corrupção. Terá a ver com simpatias pessoais, alianças sociais ou económicas, como formas de solidariedade saudáveis e desejáveis, mas não com corrupção.
Pelo contrário, a política, no sentido das decisões de favorecimento de certos sectores económicos em detrimento de outros, está bem mais próxima da corrupção do que a dádiva. Quando a política é casuística, sem ideologia, centrada nas "grandes empresas" dominadas por cliques sociais extremamente fulanizadas - BCP, BNP, BPP - ou por obscuras burocracias inquisitoriais - tipo sistemas de justiça, fiscal, de regulação de obras públicas ou municipais, bolsas financeiras, mercados energéticos - aí sim, por razões institucionais, a corrupção medra à vontade.

1 comentário:

  1. Ave, domine magister! Quomodo vales?

    Porque o Direito é linguagem, devemos desconfiar sempre que nos propõem um conteúdo indeterminado. Quando a um conceito se faz equivaler um sentido impreciso há um problema algures. Estas propostas que fazem equivaler dádiva a corrupção, por exemplo, são do mesmo tipo daquelas que permitiram até hoje tratar por corrupto o empreiteiro (ou o sucateiro) que é alvo da extorsão pelos serviços, obrigando a linguagem a menosprezar esta realidade elementar: ninguém paga voluntariamente o direito que é já seu. Quando isso acontece o problema não é o da corrupção de quem é alvo de extorsão. Chamar criminoso à vítima é uma forma interessante e muito comum de fechar os dossiers sem correr o risco de resolver qualquer problema. No caso Maddie foi isso que começou por ocorrer (sem êxito consumado, felizmente). Mas esta forma de não tratar as coisas tem- quanto à corrupção- os efeitos de uma pedagogia da perversão: é que se a vítima tem de pagar direitos que já tem (isto chama-se "corrupção para acto lícito", garantindo que ninguém poderá chamar-lhe extorsão)mais natural será pagar os direitos que não tem.- E então a organização faz-se perfeita porque a vítima é chamada à cumplicidade com o escroque, faz-se escroque, ela própria e perde portanto e com isso o direito de se queixar. Depois é só afinar a reacção. O criminoso será sempre a vitima induzida à delinquência. E de novo o sistema se põe em marcha com os problemas de sempre: a um lado a polícia, i.e. um conjunto de gente que escolheu, livre e conscientemente,fazer do sórdido sua ocupação quotidiana e, do outro, alguém que colocado diante de circunstâncias mais ou menos fortuitas, mais ou menos preparadas, não reagiu por molde a poder ser absolvido num processo onde apenas metade do problema se discute.
    Há uma litania onde se ergue aos céus a prece da Igreja do Cristo por todos os submetidos ao julgamento dos falíveis tribunais humanos. Devia haver uma específica oração pelos submetidos à vitimização sacrificial por uma polícia de delinquentes num estado de bandidos. Deus os proteja.

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